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domingo, 4 de julho de 2010

Monja Coen – A Mulher nos Jardins de Buda

‘’Seria uma deusa dessa estirpe a mulher do sonho, com cabelos de fogo e olhos em fúria domando seu corcel? Talvez. Porque se a cena continuasse, ela seria aquela que agarraria da mulher a mão estendida e súbita, montando no corcel. Ela e a deusa seguiriam no tufão até tudo se difundir numa unicidade sinuosa e ascendente. O deserto, o céu e a esperança. O tecido do tempo, esgarçado pelas intempéries da vida, poderia assim se refazer.’’

‘’Ele não saberia que, ao fechar a porta do quarto, jamais a veria novamente. Não aquela que conhecera. Porque, assim como não se escuta o som do coração partindo, não se percebe o momento em que uma parte de nós sai de cena. Impossível! Mas é assim que acontece, pois somos uma legião. Somos muitos seres em um só, muitos atores em busca do bom personagem para nos habitar. A única permanência é a alma, ou seja, o que nos anima a seguir em frente. Se ela entra no outro que surge em nós mesmos, a vida terá novo ciclo de aventuras e possibilidades. Porém, se gruda num dos atores, tudo é devastação, sina a ser carregada.’’

‘’Bankei estava pregando tranquilamente a seus discípulos, um dia, quando seu discurso foi interrompido por um padre de outra seita. Essa seita acreditava no poder dos milagres e achava que a salvação vinha da repetição de palavras sagradas. Bankei parou de falar e perguntou ao padre o que ele queria dizer. O padre começou a alardear que o fundador de sua religião podia ficar na margem de um rio, com um pincel na mão, e escrever um nome sagrado num pedaço de papel que o assistente segurava na outra margem. O padre perguntou: ‘Que milagre você pode fazer?’ Bankei replicou: ‘Apenas um. Quando estou com fome eu como, e quando estou com sede, eu bebo.’ O único milagre, o milagre impossível, é ser apenas comum.’’

‘’Talvez Buda e Jesus jamais tenham sido tão belos como no momento de sua suprema humanidade. Um ao encontrar o verdadeiro sofrimento de Ser Humano, o outro traduzindo em uma única frase e no momento perfeito o terrível abandono que sentimos diante do Grande Silêncio: ‘Pai, por que me abandonaste?’ Talvez por isso eles sobrevivam até hoje ao emaranhado de traduções e explicações sobre os dias em que viveram, as palavras que pronunciaram, seus gestos e ações.’’

Trechos do livro Monja Coen – A Mulher nos Jardins de Buda, romance biográfico baseado na vida da primeira mulher a ocupar a presidência da Federação das Seitas Budistas no Brasil. Escrito por Neusa Steiner, 2009.

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